sexta-feira, 7 de outubro de 2011

ESPAÇO ABERTO: COM NICOLE HUGON - Marselha - França


Algumas reflexões sobre a papel do terapeuta comunitário(1)
Por Nicole HUGON (2)
Marselha – França

Eu apresento algumas reflexões para vossa apreciação. Elas são enriquecidas pela participação nos grupos de Terapia Comunitária- TC na formação com Adalberto Barreto e no Brasil. Resultam também de minha prática de terapeuta comunitária em Marselha com os pacientes alcoólicos, suas famílias e mulheres migrantes em situação precária. Essas reflexões foram beneficiadas pelo trabalho de apreciação realizado após cada roda com os outros terapeutas comunitários do sul da França, especialmente Jo, Claire, Sophie e Roselyne. As trocas de experiências foram uma importante fonte de reflexão e questionamentos. O trabalho realizado com Míriam Barreto foi particularmente estimulante. Essas observações se nutriram também com as leituras de Adalberto Barreto, Paulo Freire, os textos dos Congressos de TC e com as discussões com Henriqueta Camarotti que aceitou participar de algumas rodas de TC em Marselha. Minha experiência com grupos de fala clássicos na área do alcoolismo me permitiu apreender o que a TC trás de diferente.

Neste momento de minha pratica eu senti a necessidade de colocar no papel algumas dessas reflexões, afim de clarificar essas ideias e fazer uma síntese provisória do que eu sinto da originalidade radical da Terapia Comunitária.

Eu espero que esta  contribuição seja útil.

Introdução

A Terapia Comunitária exige da parte do terapeuta comunitário:

- Um bom domínio da técnica de animação do grupo de TC.
- Um trabalho pessoal de conscientização e crescimento, sobretudo na percepção de suas próprias pérolas: descoberta de seus recursos e competências adquiridas na superação de suas dificuldades, lhe permitindo confiar na capacidade do outro quando na superação  dos obstáculos e na busca de soluções.
- Um engajamento na comunidade com a qual compartilha o mesmo objetivo de crescimento e melhor qualidade de vida.

Nessas três dimensões é fundamental que o terapeuta caminhe ao lado da comunidade  ao invés de uma atitude de cima para baixo.

A ética da TC, seu valor fundamental, reside, sem duvida, nas possibilidades da relação horizontal, rompendo com o esquema tradicional da função do cuidador ou expert, onde aquele que sabe deve assumir uma posição vertical sobre aquele que sofre. Para nos, profissionais do cuidado, assumir a horizontalidade exige um esforço consciente sobre si mesmo, sempre renovado, jamais vencido a priori, qualquer que seja nossa boa vontade. Se trata de uma revolução cultural penosa. Ela exige, portanto, contradizer nossa ética profissional quotidiana, que nos propicia a responsabilidade solitária de competência e eficácia. Nosso risco permanente é regredir a posição original sempre que nos sentirmos em dificuldade no seio do grupo, por uma razão ou por outra.
A horizontalidade não se decreta, não é evidente, ela se constrói, roda após roda. Se trata, a cada momento de uma aventura inédita.

Paradoxalmente, quanto mais o terapeuta comunitário adota uma posição despretensiosa e horizontal, mais sua ação será percebida pela comunidade como positiva e eficaz. Geralmente as pessoas esperam do terapeuta a posição de um « salvador da humanidade », gerando uma tentação permanente para delegar suas responsabilidades. O terapeuta comunitário deve estar muito atento para compartilhar a responsabilidade do andamento da roda com o grupo. Ele devera estar sempre vigilante para não se influenciar por uma forma de transferência sobre sua pessoa, mas ao contrario tudo fara para que o grupo assuma o papel principal.

Este problema devera sempre estar presente como tema nas intervisões realizadas entre os terapeutas.

I – O domínio da técnica na condução do grupo

A roda de TC sendo organizada claramente em etapas bem definidas, que espaço reste para a criatividade ? Come diferenciar uma inovação fecunda e um desvio inaceitável da técnica ? Que critérios devemos adotar para diferenciar essas duas situações tanto na avaliação final da roda como nos momentos de intervisão ? Como adaptar a condução pratica das rodas nos vários contextos ? Como conciliar a autoridade necessária para  cumprir a metodologia e ao mesmo tempo abrir a possibilidade para uma fala livre ?

Me parece que nos dispomos de dois eixos firmes para isso : as regras e o respeito ao desenvolvimento das etapas da TC.

O primeiro eixo é a compreensão profunda da pertinência das regras:

Não dar conselhos, não julgar, não fazer interpretações, falar no « EU », fazer silêncio para escutar o outro, não fazer discursos, utilizar canções, poemas, ditados etc.
Essas regras se aplicam ao terapeuta comunitário, aos co-terapeutas, bem como a todos os participantes da TC. A sua repetição a cada roda gera a força de um ritual que se inscreve no automatismo corporal comum modo de funcionamento. Essas regras são enunciadas na fase de acolhimento, onde a dinâmica corporal é fundamental, ao lado das comemorações et como parte da ritualização da roda.
Isso constitui um espaço claramente delimitado para a expressão de cada um, et também do terapeuta. Eis a primeira maneira de accionar a horizontalidade. Vale a pena lembrar que nos terapeutas comunitários devemos estar atentos a falar também no « EU », o que muitas vezes não acontece na apresentação da TC ao grupo. Citamos como exemplo a forma de contar uma historia : « Eu vou contar uma historia que me tocou muito e que parece ilustrar isso que nos estamos falando ».
Solicitar ao grupo  porque as regras são importantes et necessárias : as vezes os participantes dão explicações tão claras que permitem esclarecer ate mesmo aos terapeutas.

Exemplo : Não fazer interpretações. Se eu interpreto o que você diz eu coloco minhas palavras em lugar das tuas, isto é uma violência. De fato a interpretação tem a ver com a colonização do espirito. Se trata de uma tomada de poder. Nossa formação profissional não nos prepara para sermos cuidadosos, ou mesmo termos consciência disso. Bem ao contrario, o objeto de nossa formação geralmente nos condiciona com esquemas de interpretação para  fazer prevalecer a racionalidade do saber especializado. Portanto, adoptar realmente esta regra é um desafio imenso para os animadores da TC. Trata-se de escutar simplesmente o que esta sendo dito, e não de uma escuta enviesada por uma teoria.

O segundo eixo trata de respeitar o significado profundo de cada etapa da TC

O acolhimento :
Ele é destinado a permitir que cada um se sinta à vontade na comunidade, na roda, e nos seus valores culturais e pessoais. Acolher é permitir a cada um de sentir seu lugar no grupo enquanto indivíduo, sua identidade, seus laços, suas competências. Por consequência, é muito importante propor uma variedade de dinâmicas, que permitam as pessoas de se reconhecerem.
Cada grupo de TC tem sua personalidade própria. Certos grupos buscam muito facilmente o contacto, outros grupos são mais reservados, mais frios. O estilo do acolhimento evolui com o grupo a medida que se criam os hábitos, os ritos, a convivência. Ha um risco permanente em certos contextos de deixar o grupo se congelar numa rotina confortável. A antidota para isso pode ser encorajar as pessoas a participação mais e mais ative, propor inovações, novas ideias, e convidar vizinhos e amigos. Os animadores devem ser atenciosos, se colocar a serviço do grupo, não sendo obrigados a serem animadores de eventos.
Outro objetivo do acolhimento é organizar o formato da reunião : a finalidade do grupo, o esclarecimento sobre como, porque e quais as formas possíveis de falar. As formas e expressões culturais de cada comunidade são variáveis segundo os grupos.
Desse ponto de vista, o enunciado das regras de funcionamento do grupo é um dos aspectos não negociável da terapia, uma dimensão de verticalidade da TC. Este papel de garantir as regras e a metodologia faz parte da função dos animadores da TC. Alem disso, convencer aos participantes da importância dessa estruturação e da necessidade de ser adotada pelo grupo como lei fundamental. Assim progressivamente, o grupo por si mesmo vai garantindo as regras.
Retomamos aqui a preocupação de não deixar se transformar a liberdade em permissividade.
O grande problema que se coloca ao educador ou à educadora  de opção democrática é como trabalhar no sentido de fazer possível que a necessidade do limite seja assumida pela liberdade. Quanto mais criticamente a liberdade assuma o limite necessário, tanto mais a autoridade tem ela, eticamente falando, para continuar lutando em seu nome(3). 
Portanto, dentro da ideia de Paulo Freire, ha uma sorte de intransigência ética para manter esta estrutura com permanência que garanta a liberdade dos participantes, sobretudo contra as tomadas de poder.

Exemplo : Numa roda de TC uma participante se indigna contra as regras da seguinte maneira : por que razão devo falar somente daquilo que vivi pessoalmente ? Porque eu não teria o direito de dar minha opinião mesmo sobre as coisas que não conheci pessoalmente ? Boa pergunta, perfeitamente
licita, mas quando dentro de um debate publico ou no bar da esquina. Nesse caso não se trataria de uma Terapia Comunitária.

A escolha do tema:
Se trata de permitir que as preocupações autênticas dos participantes possam emergir. A « casca de banana » do terapeuta é o bom tema (pelo menos ao seu parecer), correndo o risco de orientar, de forma consciente ou inconsciente, a escolha  daquele, em detrimento de outros. Os temas propostos e escolhidos refletem as verdadeiras preocupações do grupo, sob a forma que os próprios participantes compreendem. É então importante não enviesar os temas  através de reformulações que mostram ao grupo a preferência do terapeuta. Nesse aspecto o trabalho sobre si mesmo do terapeuta tem uma grande importância. O que eu entendo é de mim ou do outro ? Dai a importância de confirmar com a pessoa se a reformulação feita lhe convém. Se eu bem entendi, seu problema é...
Uma reformulação pode dissimular uma interpretação implícita. Isto é então, um ponto necessário a ser trabalhado bastante nas Intervisões.
Mesmo numa situação de manipulação do grupo por certos participantes, é sempre importante  aceitar a escolha da roda. Nesse caso,  o problema escolhido pode representar uma disfunção na relação do grupo ou na comunidade na qual ele se insere.

Exemplo : Em seguida à descoberta dum trafico de drogas num serviço hospitalar, alguns pacientes, amigos dos responsáveis pelo trafico trouxeram o grupo to tema sobre o sentimento de injustiça diante da reação da equipe cuidadora. Logo na fase de contextualização os profissionais foram acusados de dar cobertura e ajudar o trafico, ao mesmo tempo que denunciaram. No momento da partilha, um membro da equipe exprimiu seu sentimento de injustiça como pessoa, diante das acusações gerais que envolveram toda a equipe. Falou ainda da importância de se exprimir como forma de começar a superar seu mal-estar. Isso permitiu que  outros participantes exprimissem seu sentimento de insegurança diante do ataque contra a instituição e a honestidade da equipe. Em decorrência disso, o esclarecimento das moções ligadas aos fatos institucionais permitiu desativar o conflito de poder no meio da comunidade e do grupo. Falar no EU mostra-se como uma forma potente, que autoriza a expressão das emoções de todos, qualquer que seja sua posição na comunidade.

Me parece também importante de proceder à votação de forma bastante cuidadosa, e, sobretudo, não esquecer de apresentar ao voto as situações-problema propostas que não foram muito identificadas pelos participantes : permitir também as pessoas partilhar no grupo uma mesma problemática, mesmo que minoritária, o que favorece a criação de vínculos solidários as vezes muito benefícios. Os animadores deverão valorizar os temas não escolhidos, e aqueles que os trouxeram, reconhecendo a sua real importância.

Contextualização :
O significado dessa etapa da TC é esclarecer a  situação-problema dentro de seu contexto emocional, relacional e histórico, também de colocar em evidência o que a pessoa que trouxe o tema tem feito para supera-lo.
Trata-se de iniciar a passagem da consciência ingénua a consciência critica do problema (pela pessoa que ha colocado o tema, como por todo grupo, incluindo os terapeutas). Por consequência as perguntas feitas pelo grupo e pelos animadores vão buscar restituir a situação dentro de toda sua complexidade, clareando-a num contexto mais amplo e numa perspectiva sistémica. Isso cria um ambiente favorável a duvida, a diminuição das convicções, das certezas, do beco sem saída relacional. As perguntas objectivam colocar em evidência as tentativas de solução, ressaltando os recursos e as competências do grupo. Sobre esse ponto de vista, o trabalho sobre a arte de fazer perguntas se mostre particularmente importante nas intervisões.
Nesse trabalho de questionamento não é necessário levantar todos os detalhes. Assim que as questões revelaram suficientemente a complexidade e um eixo de reflexão satisfatório, o terapeuta pode passar para outra fase. Nessa etapa ha sempre a tentação de fazer uma forma de terapia individual em grupo. Não se trata disso : nos devemos dar confiança a pessoa que colocou o tema, para prosseguir sua reflexão dentro de novas direções, estimulada pelas perguntas do grupo e também pela soluções partilhadas na etapa seguinte. Se alguém decidiu trazer um tema para o grupo, é sinal que ha uma consciência de que as soluções jà tentadas não funcionaram, e que ele esta pronto para deslumbrar uma nova perspectiva. Não é necessário elucidar tudo. O terapeuta comunitário tem que respeitar a capacidade da pessoa traçar seu próprio caminho.
A  forma de fazer as perguntas trás o risco intrínseco de uma interpretação não consciente. A maneira como o problema vai ser explorado abre novas formas de compreensão, de leitura da situação-problema. Se as questões vem de uma fonte única, ha o risco de assumir uma certa direção,  em função do pensamento do terapeuta.  Como evitar esse risco ? Como manter a horizontalidade ? será absolutamente necessário preserva-la ? Se aceita-se o postulado inicial, da riqueza absoluta da relação horizontal, não se tem nenhuma duvida.
Ao mesmo tempo a leitura de Terapia Comunitária passo a passo indica claramente a preocupação pedagógica de Adalberto Barreto, sua convicção de que a TC é também um instrumento de educação popular no domínio da promoção da saúde.  Ha uma tensão entre a confiança nos recursos próprios do grupo, detentor de um saber (mas não de todo saber), e o desejo de oferecer aos indivíduos a possibilidade de progredir a sua maneira de abordar as dificuldades.

Como praticantes europeus da TC nos devemos ter consciência de nossa visão cultural : nossa forma de pensar nos conduz a privilegiar uma visão do indivíduo como sujeito autónomo e isolado (a autonomia individualista). Nos percebemos esta autonomia como o produto de um ganho progressivo pela supressão da dependência do outro, como por exemplo, romper os laços com os pais. Nossa cultura nos leva a valorizar menos as trocas dentro da roda da TC, e também após e fora dela para desenvolver a autonomia. Como principio, a TC propõe uma outra abordagem da autonomia, que seria assumir o vinculo, a relação com o outro sem fechar-se nela, para encontrar, ao contrario, apoio e força nessa troca. Não é um  vinculo que amarra, mas um vinculo que alimenta. A autonomia sob esse ponto de vista será considerada como um processo vital dinâmico, e não como um resultado ou um ideal.
Portanto, os terapeutas devem encorajar o grupo a fazer suas perguntas de forma a completar a abordagem técnica (notadamente adquirida nas intervisões e nas reflexões sobre os pilares teóricos da TC), com a abordagem intuitiva (nutrida pela experiência de vida e pelos recursos culturais dos participantes). Como diz Adalberto Barreto, « Choque criativo! ». Assim se passara da consciência ingénua (dos animadores e participantes), a uma consciência critica para todos, multiplicando as visões e as posições.

Problematização e compartilhamento de experiência:
A questão restituída ao grupo « O que você fez para superar isso, para sair, para conviver com essa situação, para melhorar um pouco, para que isso não piorasse mais ? »

 O significado fundamental dessa etapa da TC é valorizar as experiências de vida e assim os instrumentos de resiliência, os recursos próprios dos indivíduoss, dos grupos, das famílias.. Destacar estes recursos tem um efeito positivo sobre a auto-estima e autoconfiança dos participantes na sua capacidade de resolver seus problemas.
Na nossa sociedade europeia desenvolvida, a terceirisação geral dos serviços levou a perda da competência dos saber-fazeres que se transmitiram de geração a  geração. Estes saber-fazeres (bricolagem, artes domesticas, jardinagem, educação das crianças, resolução de problemas conjugais, conflitos de vizinhos, luto, pequenos problemas de saúde, etc.) são desvalorizados e pouco a pouco vem sendo substituídos pelo especialista todas as vezes que uma dificuldade, um risco ou um acidente de vida se apresentam.
Essa hipertrofia dos recursos especializados custa muito aos indivíduos e a sociedade, tanto do ponto de vista económico, como da autoestima e do sentimento de segurança e autonomia dos indivíduos. Vem em contradição ao imagem do indivíduo moderno, supostamente autónomo e, assim, livre. Livre, mas incompetente, então incapaz de prover suas próprias necessidades, se não possui os meios financeiros para solicitar os « indispensáveis » especialistas.
Essa situação dúbia induz um sofrimento especifico, que tem a ver com a vergonha social, o sentimento de desqualificação dos indivíduos e se acompanha de uma reivindicação insaciável de assistência e segurança.
E interessante insistir sobre esta questão, sobretudo porque a TC se inscreve dentro de um contexto social desfavorizado e ainda mais sujeito a vergonha social pertinente a pobreza.
O convite explicito ao compartilhamento de soluções nascidas das experiências de vida tem um conteúdo profundamente revolucionário, no sentido de contesta a base das trocas económicas da sociedade de consumo que exclui o dar e receber. Com a partilha de recursos e de soluções, a procura dos servidos especializados de saúde acontece apenas em um em cada oito ou dez(4) situações apresentadas na roda.

A TC não pode então se inscrever numa lógica económica de vender a competência do especialista. Contra-cultura por excelência, ela não pode comercializada sem perder sua alma.

A questão do compartilhar suplanta a simples troca de experiências de vida, mesmo se elas sejam a fonte de aprendizagem. A partilha é também o alimento comunitário, ajuda mutua entre os participantes, o exercício da cidadania como recurso diante da dificuldade da vida e como fonte de autoestima e engajamento numa aço colectiva.

Neste nível, o Terapeuta comunitário pode tornar-se um líder comunitário no sentido político ? Aqui também, o animador da TC é um membro do grupo como os demais. Ele deve então evitar o lugar de porta-voz do grupo, mesmo se ele pode contribuir na elaboração colectiva das decisões enquanto cidadão que faz parte da comunidade.

Encerramento :
É o momento onde o grupo se apropria da consciência grupal antes de se desfazer, ate a próxima vez. Se balançar e se abraçar pelos ombros pode ser fácil ou difícil em função do contexto do grupo. Parece em todos casos um instrumento de materialização da diferença entre as demais etapas pela mudança de posição dos participantes, de tonalidade e de ritmo. Pessoalmente, eu sempre tenho dificuldade de impor uma forma particular nesse momento. Eu fico mais satisfeita em deixar o grupo encontrar seu próprio ritmo, sua própria forma de fechamento, natural e espontaneamente.
No momento do encerramento, o terapeuta comunitário devera estar atento para não concluir o tema, não procurar o consenso, de forma a não excluir as varias possibilidades. A roda devera acabar num ponto de suspensão, não num ponto final,  porque as grandes mudanças reverberarão após o grupo, como reflexões individuais, ou com os outros.

O encerramento não será nunca uma ocasião de tomada de poder em forma de conclusão o de moral da historia.

Ele permite também valorizar os esforços de superação, o processo da resiliência e a reflexão. A ambiguidade pode nascer quando o animador de TC exprime sua admiração por alguém. Pode sem querer parecer estar premiando os « bons alunos ». Portanto, a humildade é o guia, deixando para o grupo a possibilidade de partilhar os elogios das soluções propostas. Para isso, o mais simples seria esperar com paciência os comentários dos participantes antes de propor os seus próprios.

Da avaliação à apreciação  :
Qual é o objectivo da avaliação ? Quem participa ? Como proceder ? Quais os critérios a seguir ?
Qual é a diferença entre  avaliação e apreciação ?
Nossa cultura nos habituou a considerar a noção de avaliação (no campo da terapia) com desconfiança, com uma defesa justificada da independência profissional diante da administração. No período actual, onde a avaliação nos é imposta com critérios quantitativos numa perspectiva cada vez mais económica e de resultados, essa desconfiança é particularmente justificada. Portanto, examinar o que fazemos, como fazemos, e quais os resultados, para em seguida pesquisar as melhorias, aperfeiçoamentos, ajustes, não é excessivo. É saudável. Questionar com os outros sobre sua pratica evite os atropelos.

Primeiramente, pode se pensar a avaliação como comparação da pratica com um modelo ideal – a roda conduzida pelo Adalberto Barreto ou em conformidade ao manual, por exemplo. Tal abordagem pode ser útil quando se esta iniciando a função do terapeuta. Mais logo se passa à noção de apreciação, quando se começa a valorizar as reformulações, as questões restituídas ao grupo, ou as adaptações ao contexto : a apreciação é o reconhecimento e o exame critico numa deliberação horizontal das inovações, das ousadias, das intervenções criativas vindas do grupo, etc.

A avaliação (do processo(5)) busca garantir a conformidade de uma pratica a um modelo, enquanto a apreciação visa valorizar e estimular a criatividade. A avaliação é um modelo vertical, a apreciação é um modelo horizontal. A avaliação imobiliza, enquanto a apreciação estimula inovações e crescimento.

A  avaliação/ apreciação de uma roda de TC se dedica as examinar  as condições técnicas do desenvolvimento da sessão, faz uma apreciação critica da realização de cada etapa por os animadores, das inovações e dificuldades, afim de assegurar a boa aplicação da técnica : verificar se não foi esquecido nada, que o ritmo foi respeitado, etc. Ela vai permitir a sugestão de soluções para as dificuldades encontradas na aplicação da técnica, adaptações em função da realidade do grupo, particularmente a realidade cultural, discuti-as, anotar para uso futuro. Ela vai também insistir sobre o contexto da roda, o impacto na comunidade. Se abrirmos a apreciação para participantes do grupo que desejam fazê-lo, pode ser um instrumento interessante de inclusão da visão da comunidade. Se poderá assim saber dos efeitos da TC além do aqui e agora da roda.
Por consequência, a avaliação/apreciação evolui com o tempo. Nos não vamos nos perguntar indefinidamente se as musicas, as dinâmicas de acolhimento e nossas reformulações dos temas, etc, foram adequadas.
Num primeiro momento, a avaliação critica da roda pelos formandos em TC é indispensável para que os animadores do grupo possam se apropriar da técnica, fluindo entre a teoria e a pratica desse referencial.
Num segundo momento, a ampliação aos participantes interessados vai permitir estimula-los para tornar-se terapeutas comunitários no futuro e que também se mobilizem nas actividades de suporte da TC, como por exemplo,  cuidar das crianças, ateliers  diversos, etc. Pode, ainda, ser um espaço para o compartilhamento de outras áreas profissionais e grupos associativos. Ao mesmo tempo a apreciação pode se transformar progressivamente num espaço de reflexão sobre o impacto da TC nas comunidades onde ela de desenvolve.
Portanto é importante ter um diário de bordo da TC, constando o numero de participantes, antigos e novos, data, nome dos animadores, eventualmente as dinâmicas utilizadas, os temas propostos e escolhidos, como também as soluções propostas e os acontecimentos notáveis. O levantamento dos temas propostos dará uma ideia precisa das reais preocupações do grupo. Este conhecimento dos problemas da comunidade pode levar a consequências práticas, como por exemplo a escolha de intervenções pelas políticas publicas.

A apreciação vai, então, progressivamente amadurecendo, se decentralizando dos terapeutas para se focar no grupo.

II – Trabalho sobre si mesmo : TC e desenvolvimento pessoal.

Quando os terapeutas em formação do primeiro e segundo nível, como também do cuidando do cuidador, são levados a fazer um trabalho sobre si mesmos que pode ser bastante profundo. Buscar no fundo de si mesmo a fonte de competência, de força como cuidador pode ser perturbador, pelo menos por que  lhe diz algo de surpreendente : Eu estou profundamente engajado na minha função de cuidador, eu não posso mais assumir a posição de observador neutro e objetivo. Minha tendência é melhorar, ampliando minhas experiências, de forma a não projeta-las demais.
Não se trata de assumir a posição de um observador ideal, neutro e objetivo, mas sim de um ser humano concreto que faz o melhor de si. Desde o inicio nos somos reenviados a nossa subjetividade, obrigados a arriscarmos, expor nossas fragilidades, feridas, limites, nossas (in)competências. A formação nos obriga a aceitar nossa singularidade, nossas diferenças, não como atributos indesejáveis, mas ao contrario, como abertura, oportunidade : a confrontação das diferenças e das similaridades oferece um campo propicio para que a mudança possa ocorrer. Inevitavelmente essa mudança afecta também o cuidador. Não é possível que o terapeuta se esconda, mas sim deve se conhecer o melhor que puder.
Sem duvida, por esta razão a formação dos terapeutas comunitários nos passa a impressão de ser mos alimentados, de crescer e desabrochar.
A pratica da TC permite aos animadores de se confrontar com uma grande variedade de situações-problema e experiências de vida que amplia progressivamente seu campo de experiência pessoal, fazendo a diferença do que é seu e o que é do outro, na reformulação das propostas dos participantes. Nas intervisões, o trabalho sobre as dificultadas encontradas pelos animadores, suas emoções etc., permite aprofundar cada vez mais seu crescimento pessoal.
Não se pode, portanto, para aperfeiçoar a técnica, manter indefinidamente o treinamento só entre os terapeutas. Haverá um risco de estagnação por causa da proximidade ideológica e afectiva entre as pessoas interessadas pela TC. “Consanguinidade” de certa forma mortífera que propiciara disputas internas estéreis, devendo ser abandonadas para a abertura ao contexto social.
E somente quando a pratica da TC esta autenticamente inscrita num projecto comunitário que propiciara ao terapeuta seu desenvolvimento pessoal, com toda seu vigor e sua riqueza, assumindo o risco do encontro com o outro.

III – Engajamento do terapeuta na sua comunidade.

A TC é um projecto tentador em vários aspectos. Ela oferece aos gestores políticos e sociais diante de seus desafios atuais uma solução eficiente. Esses últimos são conscientes dos efeitos desastrosos da ruptura dos vínculos sociais mas não possuem geralmente os instrumentos teóricos e práticos para soluciona-los. Eles se contentam apenas em  apoiar através de  recursos materiais as numerosas associações de bairros. Essa ação, útil certamente, as vezes pode ser difícil de distingui-la do clientelismo.
Impossível então de não sonhar. Um grupo de TC numa escola problemática, numa equipe sofrida numa empresa, num bairro carente, será, certamente, uma boa escolha.

A TC é a SOLUÇÃO, e nos, terapeutas comunitários, somos ainda “SALVADORES DA PATRIA”!

Infelizmente, ou felizmente, não se pode mandar, sem preparação, terapeutas comunitários calouros aos bairros problemáticos, com a missão de desenvolver grupos, como porta-vozes da TC. O desenvolvimento dos grupos da TC  seria melhor com pessoas envolvidas com a comunidade, que apoiam o projeto de implantação das rodas, integrando-a na vida coletiva. Não se pode imaginar especialistas em TC, mesmo que excelentes, numa comunidade onde eles não tem vínculos.
Não podemos então desenvolver a TC sem um trabalho cuidadoso de convencimento e de sensibilização numa variedade de contextos, de forma a engajar um maior numero de pessoas possível na proposta.  Nossa grande responsabilidade é de sensibilizar e formar atores sociais (ao largo senso). A noção de comunidade dever ser cuidadosamente diferenciada da ideia de comunitarismo. Isso pode levar a equívocos, e nos devamos estar particularmente esclarecidos sobre o assunto.
Uma comunidade reúne pessoas que possuem algo em comum, que possuem interesses ou dificuldades próximos, uma instituição como uma escola ou empresa, um bairro, um grupo de pessoas vivendo um problema especifico etc., e que desejam conversar entre si, talvez na busca de soluções.

Como falar às instituições ?
Na Europa, implantar um grupo de TC e frequentemente difícil : a desconfiança das instituições (que dispõem dos espaços e dos horários) é difícil de superar. Trata se de uma seita ? De uma medicina alternativa não reconhecida ? Temos necessidade realmente desse objecto exótico ? Não temos tudo o que é necessário no nosso pais ? Etc.

E por isso que será mais fácil implantar a TC para uma pessoa já envolvida no contexto. As relações de confiança, a participação nas outras atividades de um centro social, de uma associação de auto-ajuda, de um serviço de saúde são recursos importantes : se pode ter tempo para amadurecer o projeto, de permitir aos outros profissionais compreender de que se trata e de se aclimatar com a ideia. Palestras de apresentação da TC, convite a participação noutros grupos, são bons meios para contornar a resistência a mudança. A proposta de implantar o grupo por um tempo e de avaliar regularmente os efeitos antes de um grupo permanente será útil em alguns casos.
Devemos compreender o que nos solicitamos aos outros : ter fé num projeto, que modifica radicalmente o funcionamento vertical preexistente, isto abertamente explicitado. Mesmo se em nosso pais, todos reivindicam a democracia, ela suscita na maioria dos casos certa desconfiança. Que acontecera se deixa a fala aberta as pessoas ? Há um medo a ser superado. Somente após os resultados que as duvidas se esclarecerão. Devemos lembrar o quanto é difícil a horizontalidade da TC diante de pessoas acostumadas a funcionar na verticalidade.
Inicialmente  devemos tranquilizar os demais : publicações, estatísticas, avaliações de impacto dos grupos, etc. Todos esses elementos podem ajudar a aceitabilidade do projeto. Nesse ponto de vista os trabalhos que evidenciam o impacto positivo da TC são indispensáveis (avaliação de resultados). Isto reforça a necessidade de fazer regularmente a apreciação das rodas e o recolhimento dos dados.  Será recomendado também que a AETCI/Amigos de 4 Varas(6) fornece as referências bibliografias as pessoas que queiram iniciar novos grupos.
Podemos também insistir na apresentação de um projeto sobre as possíveis respostas aos problemas encontrados na comunidade e onde ela pode ajudar : restauração dos vínculos sociais, comunicação não violenta, liberação dos recursos dos indivíduos, problema de identidade cultural. Parece que nos devemos sobretudo estar particularmente atentos às necessidades, à visão da coletividade na qual devemos implantar a TC: nos oferecemos uma abordagem diferente das propostas habituais de resolução dos problemas. Mas o conhecimento, a definição dos problemas individuais e coletivos é partilhada entre todos (profissionais e participantes em potencial). E essencial dedicar tempo para escutar os outros.
Devemos colocar de lado nossa crença na suposta superioridade da TC em relação as outras abordagens. Lembramos que seu papel é de acolher o sofrimento e oferecer às pessoas um espaço de crescimento. Mas ela não se substitui as outras abordagens, pelo contrario, ela facilita o acesso e potencializa sua eficiência.

Enfim, estar com e não acima.


(1)   Tradução do Texto : Maria Henriqueta Camarotti
(2)   Nicole Hugon Médica Especializada em Alcoolismo e Diretora Chefe da Clinica Saint Barnabé- Marselha Fr
(3)   P. Freire, Pedagogia da autonomia, p 105 – Paz e Terra, São Paulo – 2005      
(4)   A. Barreto - Terapia Comunitária Passo a Passo, cap 12. p 340. ed. LCR Gráfica - 2008
(5)   Uma segunda etapa da avaliação ( de resultados) é a medida do impacto qualitativo, e eventualmente quantitativo, da TC na coletividade onde se insere. Esta dimensão da avaliação possui um aspecto limitante mas pode ser indispensável para justificar a Tc nos contextos institucionais. A  escolha dos indicadores deve incluir as referencias importantes para a instituição e também para as necessidades das pessoas envolvidas. Aqui também são essenciais a horizontalidade e o debate democrático.
(6) Associação Europeia de Terapia Comunitária Integrativa:  http://aetc.romandie.com/

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