terça-feira, 4 de outubro de 2011

ENTREVISTA - Henriqueta Camarotti fala sobre TCI

Em entrevista à revista eletrônica RESPONSABILIDADESOCIAL.COM (23/08/2004), a psiquiatra Maria Henriqueta Camarotti fala sobre os excelentes resultados alcançados em comunidades carentes por meio da Terapia Comunitária.
Conheça melhor esse trabalho que tem levado cidadania e auto-estima a várias cidades brasileiras.

imagem: Henriqueta Camarotti

1) Responsabilidade Social – Como se deu o seu envolvimento e conhecimento sobre Terapia Comunitária?
Henriqueta Camarotti –
Meu envolvimento com a Terapia Comunitária (TC) foi um encontro maravilhoso por ser a resposta a muitas questões antigas na minha vida profissional. No caminho percorrido na saúde mental sempre vislumbrei a vontade de chegar mais intimamente nas pessoas mais simples e desprotegidas. As instituições não alcançam essas pessoas e elas não conseguem achar um canal de atendimento às suas necessidades dentro da rede pública. São pessoas que sofrem de muitas maneiras, mas não são reconhecidos como seres merecedores de cuidados. Podem não ter uma doença oficialmente diagnosticada, mas padecem do sofrer, do abandono, da angústia do viver em situação de tanta violência. Minha questão central se resume em como utilizar tantos avanços nas áreas da psiquiatria, psicologia, reflexões existenciais, infinitas abordagens terapêuticas, articulações entre as várias disciplinas e até caminhos espirituais. Como fazer chegar tudo isso às pessoas mais carentes e abandonadas? Conheci o Dr. Adalberto e sua proposta, um médico, professor de Universidade, pós-doutor em antropologia e psiquiatria e com uma capacidade ímpar de interlocução com as pessoas simples. Capacidade de interagir numa linguagem compreensível que alcança seu objetivo – o coração daqueles que sofrem. Um verdadeiro encontro EU-TU, e não EU-ISSO, como diz o filósofo Martin Buber. Depois de percorrer tão avidamente a proposta da Gestalt Terapia sobre o Encontro, o “between us”, a relação sem a priori, pude sentir verdadeiramente na pessoa e na proposta do Adalberto toda essa compreensão. Pude sentir que não podemos nos restringir aos consultórios, às quatro paredes, atrás das mesas. Temos que tirar as máscaras institucionais e transcender aos muros. Sair das nossas prisões acadêmicas, cerceadoras de nossos afetos e criatividade. Daí em diante meu processo tem sido expandir, dar expressão e materializar a Terapia Comunitária. De fato me encontrei.

2) RS – O que é a Terapia Comunitária e como surgiu?
HC –
Surgiu das pessoas sem poder, sem acesso ao poder, achatadas pelo poder, manipuladas pelo poder. Surgiu entre as pessoas do Pirambu, favela da cidade de Fortaleza, 180.000 habitantes, onde o Prof. Adalberto, respondendo ao pedido do advogado e militante dos direitos humanos, Airton Barreto, se disponibilizou ao atendimento à saúde mental daquelas pessoas. O que é a Terapia Comunitária se mescla ao processo de nascimento dela. Não foi construída a partir de uma concepção teórica. Pelo contrário, nasceu das sinalizações que as pessoas sofridas faziam: da exposição de seu sofrimento, das possibilidades de alternativas para solucionar seus problemas, das parcerias entre elas, da solidariedade pessoa a pessoa, do grupo para com o grupo. O Dr. Barreto teve essa preciosa sensibilidade: escutar a intimidade do sofrer e perceber que esse próprio sofrer transcende e se auto-reconstrói em humanidade – processo este denominado resiliência. A partir das reuniões semanais, do encontro com essa comunidade, o Professor sistematizou a metodologia aqui discutida. A realização da TC acontece em reuniões sistemáticas, cada sessão tem um começo, meio e fim, permitindo assim que as pessoas compareçam livremente e quando necessitarem. O processo metodológico caminha em três etapas: introdução, desenvolvimento e finalização. Na introdução apresenta-se o que é a TC e as regras do grupo. No desenvolvimento, as pessoas apresentam seus conflitos, o grupo escolhe o tema do dia, a pessoa escolhida explicita melhor sua situação e depois o grupo pega o mote do problema e fala de experiências similares ou parecidas, vivenciadas e das soluções pessoais encontradas para a resolução das mesmas. Na finalização, a pergunta chave é “o que estou levando daqui, o que aprendi”. Em forma de círculo, numa confraternização sistêmica, o grupo exalta os feitos positivos e se exulta numa descoberta de suas próprias potencialidades.

3) RS – Quais os benefícios que podem ser alcançados com a Terapia Comunitária?
HC –
Basicamente o grupo descobre que a saída é coletiva, apesar de não se desconsiderar o aspecto pessoal, íntimo, da resolução de suas próprias questões. A Rede construída vai sendo o cimento para a caminhada de todos e re-alimentação para as conquistas. Desde então as pessoas tomam outra cara, a cara da alegria de ser-se junto. De acordo com os grupos onde a TC é aplicada, os resultados vão se expressando, principalmente reforçando os objetivos propostos por aquele grupo. Por exemplo, quando aplicada ao grupo de familiares de adolescentes em conflitos com a lei, ajuda esses pais a descobrir seu papel de amorosidade e de responsabilidade na inserção social daquele filho. Quando usada em Programa de Saúde da Família, instrumentaliza os profissionais ao trabalho numa vertente coletiva e de cuidado da saúde sob uma ótica grupal.

4) RS – Como a senhora define o conceito de Responsabilidade Social?
HC –
Responsabilidade Social é o exercício da condição de ser humano. Nós, os humanos, sobrevivemos e existimos pelo amor vivenciado na forma mais biológica e filogenética do termo. Esse amor, intrincado na evolução cerebral do nosso humano nos tem dado a força e a capacidade de sobreviver às intempéries vivenciadas. Posso falar com convicção que o exercício da Responsabilidade Social é a realização do ser em evolução, ativação dos mecanismos neurofisiológicos em direção aos talentos e saltos da capacidade criativa. Perceber a necessidade do grupo e se colocar a serviço dela é enzima catalizadora da ampliação das conexões cerebrais e da plasticidade neuronal.

5) RS – Qual a relação entre Terapia Comunitária e Responsabilidade Social?
HC –
O terapeuta comunitário é um novo ator social. Mas um ator social que permeia as várias possibilidades de ações, projetos, atuações nas mais variadas formas de agir nas comunidades. Vivenciam o risco e o sofrimento social e familiar. Posso relacionar a TC e a Responsabilidade Social dizendo que a metodologia da TC é um instrumento eficaz para exercermos nossa parte como colaboradores na construção de uma sociedade menos excludente.

6) RS – Como é a rede de atuação em Terapia Comunitária no Brasil?
HC –
Hoje, 18 anos depois de sua criação, temos cerca de 6000 terapeutas comunitários formados no Brasil, amplamente distribuídos em 20 estados e articulados em inúmeras instituições governamentais – saúde, educação, social, meio ambiente, justiça terapêutica; universidades e instituições acadêmicas em geral e diversas instituições não- governamentais. Interessante que em cada local diferente, as parcerias têm seu próprio formato. São profissionais articulados com as ações institucionais, estudantes que se interessam em começar a atuar, pessoas de ONGs sociais que precisam de um instrumento para desenvolver seus projetos, profissionais aposentados que se sentem tocados pelo apelo social. São 12 Pólos Formadores, cada um em sintonia com os princípios e orientações do Dr. Barreto. Temos uma verdadeira Rede que cresce e interage mutuamente.

7) RS – Quem pode fazer e participar da Terapia Comunitária?
HC –
Ser terapeuta comunitário é quem se sente tocado pela necessidade do servir. Servir de forma a desenvolver no outro a valorização de sua própria força e capacidade. Profissionais das áreas da saúde, social, educação, artes, comunicação; pessoas que já trabalham com grupos e comunidades; estudantes das diversas áreas. Os participantes são todas as pessoas que vivenciam alguma forma de sofrimento, angústia, de insatisfação com a situação social em que encontramos no nosso país. Ou então pessoas que, mesmo se sentindo estáveis, comparecem às reuniões por se perceber um colaborador dos companheiros.

8) RS – Fale sobre o II Congresso Brasileiro de Terapia Comunitária que foi realizado recentemente
e suas expectativas em relação ao mesmo.
HC –
Este II Congresso é o coroamento de uma etapa de trabalho e de dedicação dos voluntários e lutadores pela expansão da TC no Brasil. Fizemos o 1o Congresso em Fortaleza, em 2003, e lá, os companheiros do Brasil afora se constituíram em uma equipe de afeto e harmonia. Descobriram sua capacidade de multiplicadores e colaboradores dos projetos sociais existentes. Então o II Congresso representou a oficialização da Terapia Comunitária como metodologia ampla e pertinente às políticas públicas, acadêmicas e não-governamentais. Como exemplo disso, tivemos inscritos no Congresso cerca de 70 trabalhos de relatos de experiências da TC e intersecções diversas. TC aplicada nas penitenciárias, trabalho com HIV+, portadores de doenças crônicas e seus familiares, instrumento de grupo na rede municipal e estadual de saúde, fazendo parte da equipe do Programa de Saúde da Família, incluída nas ações dos CAPS para adolescentes, nos programas de adolescentes em conflitos com a lei, e muitas outras experiências.

9) RS – No caso de uma comunidade querer implantar o sistema de Terapia Comunitária, como ela deve proceder?
HC -
Quando uma comunidade, grupo ou profissional desejar implantar a Terapia Comunitária ele pode procurar fazer a formação ou então fazer parceria com os terapeutas comunitários atuantes no país. Para se tornar terapeuta comunitário é necessário fazer o Curso de Formação na área. Esses cursos são ministrados pelos Pólos Formadores, 12 no momento, em diversos estados da federação. A carga horária do curso de formação é de 360 horas, incluindo parte teórica, vivencial, prática, e supervisão. É um curso basicamente prático e vivencial. Os Pólos Formadores estão espalhados em vários estados. É possível fazer parcerias também com instituições que queiram organizar grupo de formação supervisionado pelos profissionais responsáveis por esses Pólos. Deixamos aqui os emails dos Pólos Formadores para contato e informação. ( Publicado em: 23/08/2004 - revista eletrônica RESPONSABILIDADESOCIAL.COM ) Entre em Contato
Movimento Integrado de Saúde Comunitária do Distrito Federal
SCLN 107 Bloco A Sala 73 - Subsolo - Asa Norte - Brasília/DF
Telefone: +55 61 3347-8563
E-mail: "MARIA HENRIQUETA CAMAROTTI" <henriquetac@gmail.com>

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