segunda-feira, 17 de outubro de 2011

ESPAÇO ABERTO - mágoa

Quando o sentimento não é trabalhado na mente, ele acaba sendo transferido ao corpo e se materializando em diversos males. Entre outras coisas, isso acontece em razão da dificuldade que a pessoa encontra em lidar com o mundo externo e resolver seus problemas e suas dificuldades
A raiva é uma reação forte, que surge naturalmente quando alguém sofre um mal premeditado, é perseguido ou injustiçado. É fácil chegar a esta conclusão. Sabe por quê? Quem é que vai nutrir satisfação e contentamento por alguém que bate na sua face? Tenta lhe derrubar de todas as formas e propaga os piores comentários a seu respeito? Anormal seria sentir o contrário, já que toda pessoa possui um conjunto de emoções que a faz reagir de acordo com as circunstâncias.
A dor originária de uma sabotagem ou traição, segundo especialistas, deve ser compreendida e jamais pormenorizada. Quem, por maldade de terceiros, teve a honra, a moral e a própria existência colocadas em xeque sabe o que decorre de tais atitudes. Até aí, tudo bem. O que os estudiosos chamam a atenção é o tempo que este sentimento dura, o espaço que ele ocupa e o significado que passa a ter na vida de uma pessoa. O problema não está em sentir a raiva, mas sim como ela é tratada e o destino que recebe. A raiva, como sentimento temporário, pode servir até como alívio e uma maneira de escoar uma energia. Mas, se armazenada e nutrida, pode se tornar crônica como uma doença e resultar em mágoa e ressentimento.
Esses dois vocábulos, segundo o Aurélio, têm praticamente os mesmos significados. A mágoa diz respeito a um sentimento de tristeza, pesar e desgosto causado por uma ofensa. Do latim, quer dizer mácula, mancha. De certa forma, torna-se mesmo uma mancha, até indelével para muitas pessoas, já que elas não conseguem se desvencilhar das lembranças de maldades ou prejuízos que lhe causaram. Ressentimento é rancor, uma mágoa que se guarda de uma ofensa. Pela própria formação da palavra, é fácil concluir que ressentir é sentir de novo. Dessa forma, quando alguém se diz ressentido por alguma coisa, significa que ele torna a sentir o que lhe fizeram. Isso implica em sofrimento por não ter conseguido elaborar a dor emocional.
BRASA ARDENTE
Considerada irrelevante e um simples sentimento por muitas pessoas, a mágoa cultivada é potencialmente um veneno que, uma vez instalado, pode contaminar seriamente um indivíduo. Popularmente, costumam compará-la a uma brasa quase em chamas. É claro que ninguém vai querer fazer esse teste, mas tente visualizar alguém querendo atingir o seu ofensor com uma brasa na mão. Enquanto ele espera para jogá-la, inevitavelmente, vai ser queimado. Psicólogos concordam com esta comparação e afirmam que a retenção da mágoa gera um desequilíbrio bioquímico que pode afetar o corpo inteiro. Daí, podem decorrer diversas outras desordens nesse órgão e não apenas no seu descompasso. O estômago e o intestino também funcionam, muitas vezes, como órgão de choque para aqueles que vivem em função deste sentimento. Na verdade, o acúmulo de mágoa altera todo o metabolismo de uma pessoa.
Segundo o médico Mário Miyazato Filho, o mesmo mecanismo que acelera o coração é responsável também por muitas doenças gastrintestinais. Ele explica que acontece um processo de somatização que pode gerar diversas manifestações difíceis até de se imaginar. A mágoa, segundo ele, gera altas cargas tóxicas, podendo ser a porta de entrada para muitas doenças, uma vez que interfere diretamente no sistema imunológico.
MUNDO INTERIOR X MUNDO EXTERIOR
A psicóloga Cleuza dos Anjos explica que as pessoas rancorosas são as mais propensas a reterem mágoa porque estão sempre trabalhando com algo interior. “Quando elas vivenciam uma situação dolorosa, não conseguem enfrentar a dor emocional daquele momento. Supervalorizam o acontecimento e sentem-se injustiçadas. Tal comportamento passa a ocupar um lugar muito grande em sua mente e suas emoções. Pela dificuldade que têm em lidarem com o mundo externo, passam a viver o mundo interno com muita dor.”, analisa.
Hoje, está mais que comprovado que corpo e mente estão intrinsecamente ligados. Não há como separar um do outro. A Medicina Psicossomática, que estuda muito bem essas questões, constata que se um sentimento não foi bem elaborado em termos psíquicos, certamente vai causar um impacto negativo no corpo. Cleuza dos Anjos concorda com essa visão e complementa: “Cabe ao organismo dar um direcionamento à energia que foi gerada. Então, se a mágoa não foi bem trabalhada na mente, será transferida para o corpo, podendo se materializar em forma de doenças.”, completa.
Cleuza classifica como “inferno interior” o sofrimento que muitas pessoas carregam em conseqüência da mágoa que nutrem. “Elas ficam presas e carregam um fardo muito grande, uma vez que rotineiramente remoem a ofensa sofrida. A mágoa é como se fosse um direito da pessoa em manter a ofensa recebida. Só que a sua manutenção exige muito do organismo porque o magoado está sempre de sobreaviso e como vítima da situação.”, explica.
MÁGOA DURADOURA
O fato que aconteceu com o administrador de empresas A.S.R., 49 anos, poderia ter resultado em seu próprio extermínio, caso ele não tivesse se conscientizado da armadilha que seu temperamento estava lhe preparando. De meados de 1984 ao final de 1991, ele literalmente viveu um autoflagelo, em razão de um sentimento de mágoa que cultivou. Dias negros, permeados pela tristeza, amargura, desesperança e um profundo sentimento de menos-valia.
A.S.R. conta que sofreu uma difamação muito grande por parte de alguém de seu convívio. Embora infundados, os comentários colocavam em xeque a moral e honra do administrador, fato que desencadearia uma mágoa intensa e duradoura. Sustentá-la seria uma forma de punir a pessoa que o havia difamado. Só que A.S.R. não sabia que a sua postura se voltaria contra si mesmo. Coincidência ou não, ele passou a sofrer os impactos que um sentimento dessa ordem pode causar. A lembrança de ter sido vítima era que fomentava o acúmulo da mágoa. “Eu dava um valor muito grande àquele acontecimento, a ponto de pensar dia e noite no que havia sofrido. Aquela mágoa praticamente se tornou um estilo de vida que me atrapalhou em tudo.”, afirma.
O sentimento que parecia cristalizado começou a se desfazer por meio de uma leitura que tratava sobre os vários tipos de temperamentos. Ali, A.S.R., começou a perceber que ele se enquadrava exatamente no perfil de uma pessoa melancólica. A leitura o levou a importantes reflexões e ao desejo de se aprofundar mais no assunto e buscar ajuda. Era pontinha do iceberg, mas que serviu como um grande sinalizador para a amenização do sofrimento de tantos anos.
A.S.R. diz que começou a perceber o quanto era fragilizado emocionalmente e, por essa razão, atribuía valores altos a coisas não tão importantes. “Hoje, tenho a consciência que a imaturidade emocional nos faz ampliar o valor dos acontecimentos. Inconscientemente, colocamo-nos na posição de vítima e queremos culpar alguém por nossos sentimentos, quando, na verdade, o problema está em nós mesmos. Apesar de ter adquirido esse entendimento, sei que tenho a propensão de ficar ressentido com facilidade. Atualmente, entretanto, procuro não dar tanta importância às coisas desagradáveis e sim valorizar às que me fazem bem.”, conclui.
Para finalizar, ele deixa dois versículos bíblicos que o ajudaram muito em sua caminhada na resolução da mágoa: “O coração alegre aformoseia o rosto, mas pela dor do coração, o espírito se abate” (Prov. 15, 13) e “Todos os dias do aflito são maus, mas o de coração alegre tem um banquete contínuo” (Prov. 15.15).
CAMINHOS DO CONCERTO
Cada pessoa vai ter uma reação diferente diante de uma ofensa sofrida. Muitos reagem instantaneamente ao problema e não acumulam mágoa. Outros não agem de tal maneira, mas, conforme dizem popularmente, “Ficam de camarote, esperando que um mal aconteça àquele que lhe prejudicou”. Em conseqüência, deixam de viver a sua vida e concentram toda a sua energia totalmente na expectativa de ver a queda de seu algoz. Revivem o mal sofrido com o forte desejo de vingança, o que para os especialistas jamais será um remédio, e sim um veneno que vai contaminar a alma.
A mágoa pode durar um dia, seis meses, dez anos ou até a vida inteira. Esse tempo, segundo especialistas, não está ligado à dimensão e à gravidade do que nos fizeram, mas com a dificuldade que a pessoa tem em lidar com suas questões interiores.
Para Cleuza dos Anjos, a mágoa jamais deve ser camuflada ou fingida. Ao contrário, a pessoa precisa se conscientizar e admitir que sofre com o sentimento. Depois, deve buscar ajuda de um amigo, um familiar ou de um religioso para compartilhar o seu sofrimento. Há situações que necessitarão também de um suporte psicológico. Esse trabalho vai ajudar o paciente a buscar o autoconhecimento, identificar minuciosamente o verdadeiro significado da mágoa e o porquê de o fato gerador deste sentimento o ferir tanto.
A psicóloga diz que o outro caminho do concerto é que o magoado vá até o seu ofensor e fale sobre os seus sentimentos. Ela afirma que essa atitude funciona como um mecanismo de catarse que pode amenizar ou acabar com a mágoa retida. Outras pessoas vão classificar esse gesto como um caminhar na contramão da lógica. Às vezes, é mesmo. Já que para obter a paz, determinadas situações vão exigir o contraditório, que se trafegue em direção oposta à razão.
Para concluir, Cleuza diz acreditar que a cura efetiva da mágoa acontece mesmo por meio do perdão. Somente ele, vai libertar a pessoa da escravidão e de todo o peso que carrega em sua vida{.}
Redação e Administração: Av. Brasil, 6032 - Sala 101
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