terça-feira, 19 de junho de 2012

ESPAÇO COLETIVO - Maria Emília Bottini



MEMÓRIAS DO CINEMA
Maria Emília Bottini - emilia.bottini@gmail.com

A sétima arte pode educar nossas emoções, tão brutalizadas no dia a dia da vida que se esvai. Gosto de cinema desde que me conheço por gente, assisto muitos filmes, gosto dos baseados em fatos reais, drama e romance, também dos que considero um “soco no estômago”, aqueles que poucos querem ou desejam ver que expõe o que temos de nobre e de vil.

No interior de Aratiba (RS), minha tia nos convidou para assistir a um filme no salão paroquial. Em uma tela enorme feita de lençol branco dependurada na parede, as imagens de Mary Terezinha e Teixeirinha (casal de artistas de música gauchesca) se desenhavam, dando forma à narrativa. Rememorando com minha mãe, ela afirma que teria uns quatro anos de idade, paixão que provavelmente deve seu início no berço da infância.
IMAGEM NET

Lembro-me que, quando era criança, tinha muito medo quando faltava luz e meus pais não estivam em casa, porque assim não teria a televisão para ver filmes, e a ilusão de estar acompanhada, entretida. Gostava de quase tudo na telinha, mas meus pais não me permitiam ficar vendo tanta televisão quanto eu desejava.   Estavam corretos, pois tinha que fazer coisas de criança, ir à escola, fazer tarefas de casa, brincar de bonecas de pano e casinha, andar de bicicleta e trabalhar - somos descendentes de italiano, onde trabalhar é imperativo.

Na adolescência, adorava assistir os filmes da sessão da tarde e as minisséries que passavam: Mulher Maravilha, Homem Biônico, Macgyver, Casal 20, Ilha da Fantasia, Homem de Seis Milhões de Dólares.  Assistia também filmes que passavam à noite, principalmente aos sábados. Muitas vezes, minha mãe me mandava dormir, pois a hora já avançava madrugada adentro, porém eu somente baixava o volume da televisão e continuava imóvel e compenetrada, contando que ela dormiria novamente e eu seguiria assistindo. Certa vez, ela levantou-se e me mandou desligar a televisão e ir dormir.  Para minha lástima, o filme estava quase acabando e aquilo era completamente inadmissível em minha cabeça.

Contrariada, fui até o quarto, deitei-me e esperei que ela dormisse. Depois de algum tempo, me levantei pé por pé, decidi voltar à sala para ver o final do filme e decidi que levaria a televisão, que era pequeninha, cor laranja, imagem em preto e branco, para o quarto e a colocaria na cabeceira da cama. Imaginem só:  lá pelas tantas dormi e a televisão caiu no chão, minha mãe levantou-se pronta para me dar uma surra, mas nada aconteceu porque a porta estava chaveada, para minha sorte. Melhor, não lembrar o que aconteceu no dia seguinte.

Anoto os filmes que assisto, pois a memória falha, mas a escrita registra.  Também anoto falas e frases significativas numa tentativa de reter em mim o que a cena me transmitiu, o que afetou. Faço isso em cadernos, morro de medo de perder minhas anotações, ali ficam para sempre, num tempo que não passa. Atualmente, estão no computador em arquivos com as diversas denominações, por temas: escola, negros, preconceitos, professores, nacionalidades.

De menina à mulher, os filmes me acompanharam e me lapidaram naquilo que sou. O desejo de entender e estudar o cinema como ferramenta pedagógica e psicológica numa potencialidade pouco explorada ainda serviu de motivação para me submeter ao processo seletivo do doutorado em educação da Universidade de Brasília (UnB), onde logrei êxito.

O cinema ocupa agora meus dias de estudo. Parar, respirar, relaxar e deixar-se levar pelas emoções, refletir nossa existência, eis o bom cinema. Conheça-o, pois as imagens falam mais que mil palavras.

[1]Psicóloga, Terapeuta Comunitária, Professora Universitária, Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF), Doutoranda do programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade de Brasília (UnB). Assina a coluna Cine Emoção do Conselho Regional de Psicologia 1º região - DF.

Nenhum comentário:

Postar um comentário