quinta-feira, 16 de agosto de 2018

A TEIA DA TERRA por Mirna Almeida da Silva


A TEIA DA TERRA

“Não temos cuidado. Somos cuidado.

Isto significa que o cuidado possui uma dimensão ontológica

que entra na constituição do ser humano.”

Leonardo Boff

            Todos nós fazemos parte de macros e microssistemas simultaneamente. Fomos gerados dentro de uma relação interpessoal, entre, no mínimo, um homem e uma mulher, ou das partes deles que os representam. Nascemos dentro de um sistema representado pela nossa família ou pela falta dela. E ao crescermos transitamos em outros tantos novos e diversos sistemas. A vida humana é sistêmica, não há como pensá-la fora disso.

            Da necessidade de interação entre os seres surge o que chamamos de comunicação. Desde os tempos mais remotos da humanidade, quando ainda não havia linguagem verbal, ainda assim, os serem humanos encontravam formas de se comunicar uns com os outros. Nos comunicamos nas mais diversas formas, algumas mais exploradas ou conhecidas que outras. E nos comunicamos conosco também, seja pelos nossos pensamentos ou pela forma como cuidamos do nosso corpo.

            No desenrolar das nossas aventuras terrenas nem sempre conseguimos manter o equilíbrio. Muitas vezes caímos, tropeçamos ou entramos num buraco e algumas vezes pode até parecer muito difícil ou impossível sair dele. No entanto, temos em nós, humanos, a capacidade de sermos resilientes, embora para alguns isso seja um tanto mais fácil ou natural que para outros. A resiliência é como bambuzal em meio à ventania, os troncos envergam tanto que parecem que vão ao chão, mas quando volta a soprar uma brisa suave eles se firmam de pé novamente. É interessante notar que um bambu sozinho está mais suscetível aos movimentos bruscos dos vendavais. Num bambuzal com muito troncos, uns protegem aos outros.

            Sempre é possível aprendermos com nossas experiências. Não há conhecimento sem prática e não há dor da qual não se possa extrair uma bela aprendizagem. Somos seres em construção, incompletos, que nos moldamos e mudamos a cada dia. Não estamos aqui para julgar as competências ou inabilidades dos outros, mas para aprender com eles a sermos melhores. Estamos aqui para auxiliarmos um ao outro nesse processo contínuo de crescimento.

            Todos nós fazemos parte de um todo. E todos nós, ao nascermos, trazemos conosco algumas heranças. Trazemos heranças dos nossos antepassados diretos, nossos pais, avós, bisavós, tataravós – conhecidos ou não – que nos transmitiram não apenas nossos genes, mas também tendências a certos comportamentos. Cabe a nós olhar para essas heranças, honrarmos aqueles que nos transmitiram e decidir o que fazer com elas.

            Também herdamos a cultura do lugar onde nascemos, nos criamos, por onde passamos. O Brasil, por exemplo, foi feito de uma grande mistura de culturas que precisam ser reconhecidas. Temos raízes indígenas, africanas e europeias, isso é um fato que não podemos negar nem silenciar. É preciso conhecer e respeitar. Todos nós que nascemos ou estamos aqui no Brasil fazemos parte deste sistema.

            Não vivemos isolados no mundo. Os seres humanos, são seres sociais, são sujeitos históricos e políticos que constroem a humanidade do futuro. E esse mundo é construído dia a dia, nós já vivemos nele, aqui e agora, no presente. Construímos nossas relações a cada instante. Fazemos parte do sistema e de dentro dele podemos curá-lo ou adoecê-lo a cada gesto, a cada pensamento. Podemos aprender e ensinar, podemos perguntar ao invés de julgar e de afirmar. Podemos ser autênticos e somar com nossos talentos e potencialidades. Podemos aprender uns com os outros a nos comunicar melhor, a sermos mais resilientes, a nos apoiarmos nos momentos de fragilidade, de sofrimento, de dor. Podemos celebrar a vida a cada instante. Podemos dançar, cantar, brincar, podemos contar piadas respeitosas, podemos contar histórias, fábulas, parábolas, podemos rir e nos alegrarmos juntos, reavivando a nossa cultura e a dos nossos ancestrais.

            Mas não podemos nos esquecer de que fazemos parte de macros e microssistemas simultaneamente. Não vivemos sós. Estamos o tempo inteiro nos comunicando uns com os outros. Interagimos com os outros assim como os outros interagem conosco. E eu proponho uma interação mais harmoniosa entre os seres, uma interação mais cuidadosa, para o meu bem e o bem dos meus sistemas, e o bem dos outros sistemas, dos quais eu não faço parte, também.

            Que tal ouvirmos com respeito e atenção enquanto os outros falam? Que tal ao silenciarmos para ouvir os outros aproveitarmos para também ouvir a nós mesmos e aos nossos pensamentos? Que tal não julgarmos os outros? Que tal não darmos conselhos, nem sermões aos outros e demonstrarmos assim que os respeitamos e acreditamos que na capacidade deles de resolverem seus problemas?

Eu sou senhora da minha vida. Eu sou doutora da minha experiência. Eu tenho autoridade – idade da autoria, como costuma dizer uma amiga – para falar sobre minhas experiências, minhas dores, meus sofrimentos, minhas alegrias, minhas conquistas, minhas estratégias de superação dos meus problemas. Eu não preciso perder-me na terceira pessoa do plural. Eu posso ser plural, mas eu também sou singular, eu sou a primeira pessoa que fala, com autoridade, em meu nome, por mim. E assim como eu me aproprio de mim mesma sugiro que vocês também o façam.

Eu quero agora lhes perguntar em que mundo nós queremos viver? Que mundo queremos construir? Queremos um mundo com mais paz? Queremos um mundo com mais respeito, mais cuidado, mais amor? Queremos um mundo mais acolhedor? Que pessoas queremos ser? Queremos ser mais conscientes dos nossos talentos e das nossas fragilidades? Queremos ser mais conscientes da nossa história, do contexto em que vivemos, dos nossos sonhos? Queremos ser mais conscientes dos nossos sentimentos e emoções? Queremos ser mais conscientes das nossas dificuldades? Queremos melhorar nossas relações intrapessoais e interpessoais? Queremos ser mais cuidadosos conosco e com os outros?

Nunca é tarde para voltarmos o olhar para nós mesmos, para nossos sistemas, para nossa forma de nos comunicarmos. Nunca é tarde para nos situarmos no contexto em que vivemos, pensarmos sobre nosso papel no mundo, na comunidade. Nunca é tarde para acolhermos nossas crises e aprendermos com elas. Nunca é tarde para honrarmos nossos ancestrais e respeitarmos a nossa cultura e a cultura dos outros. Nunca é tarde para buscarmos apoio e pedirmos ajuda. Nunca é tarde para encontrarmos em nós e nos que nos cercam a força para superarmos nossos obstáculos. Nunca é tarde para sermos resilientes. Nunca é tarde para explorarmos nosso espaço de experiência e vislumbramos novos horizontes de expectativas. Somos seres inacabados, nunca é tarde.

Mirna Almeida da Silva

Historiadora, Terapeuta Comunitária,

Doula e Contadora de Histórias.

Um comentário: