A TEIA DA TERRA
“Não temos
cuidado. Somos cuidado.
Isto significa que o cuidado possui uma dimensão ontológica
que entra na constituição do ser humano.”
Leonardo Boff
Todos nós
fazemos parte de macros e microssistemas simultaneamente. Fomos gerados dentro
de uma relação interpessoal, entre, no mínimo, um homem e uma mulher, ou das
partes deles que os representam. Nascemos dentro de um sistema representado
pela nossa família ou pela falta dela. E ao crescermos transitamos em outros tantos
novos e diversos sistemas. A vida humana é sistêmica, não há como pensá-la fora
disso.
Da
necessidade de interação entre os seres surge o que chamamos de comunicação.
Desde os tempos mais remotos da humanidade, quando ainda não havia linguagem
verbal, ainda assim, os serem humanos encontravam formas de se comunicar uns
com os outros. Nos comunicamos nas mais diversas formas, algumas mais
exploradas ou conhecidas que outras. E nos comunicamos conosco também, seja
pelos nossos pensamentos ou pela forma como cuidamos do nosso corpo.
No
desenrolar das nossas aventuras terrenas nem sempre conseguimos manter o
equilíbrio. Muitas vezes caímos, tropeçamos ou entramos num buraco e algumas
vezes pode até parecer muito difícil ou impossível sair dele. No entanto, temos
em nós, humanos, a capacidade de sermos resilientes, embora para alguns isso
seja um tanto mais fácil ou natural que para outros. A resiliência é como
bambuzal em meio à ventania, os troncos envergam tanto que parecem que vão ao
chão, mas quando volta a soprar uma brisa suave eles se firmam de pé novamente.
É interessante notar que um bambu sozinho está mais suscetível aos movimentos
bruscos dos vendavais. Num bambuzal com muito troncos, uns protegem aos outros.
Sempre é possível aprendermos com
nossas experiências. Não há conhecimento sem prática e não há dor da qual não
se possa extrair uma bela aprendizagem. Somos seres em construção, incompletos,
que nos moldamos e mudamos a cada dia. Não estamos aqui para julgar as
competências ou inabilidades dos outros, mas para aprender com eles a sermos
melhores. Estamos aqui para auxiliarmos um ao outro nesse processo contínuo de
crescimento.
Todos nós
fazemos parte de um todo. E todos nós, ao nascermos, trazemos conosco algumas
heranças. Trazemos heranças dos nossos antepassados diretos, nossos pais, avós,
bisavós, tataravós – conhecidos ou não – que nos transmitiram não apenas nossos
genes, mas também tendências a certos comportamentos. Cabe a nós olhar para
essas heranças, honrarmos aqueles que nos transmitiram e decidir o que fazer
com elas.
Também
herdamos a cultura do lugar onde nascemos, nos criamos, por onde passamos. O
Brasil, por exemplo, foi feito de uma grande mistura de culturas que precisam
ser reconhecidas. Temos raízes indígenas, africanas e europeias, isso é um fato
que não podemos negar nem silenciar. É preciso conhecer e respeitar. Todos nós
que nascemos ou estamos aqui no Brasil fazemos parte deste sistema.
Não
vivemos isolados no mundo. Os seres humanos, são seres sociais, são sujeitos
históricos e políticos que constroem a humanidade do futuro. E esse mundo é
construído dia a dia, nós já vivemos nele, aqui e agora, no presente.
Construímos nossas relações a cada instante. Fazemos parte do sistema e de
dentro dele podemos curá-lo ou adoecê-lo a cada gesto, a cada pensamento.
Podemos aprender e ensinar, podemos perguntar ao invés de julgar e de afirmar.
Podemos ser autênticos e somar com nossos talentos e potencialidades. Podemos
aprender uns com os outros a nos comunicar melhor, a sermos mais resilientes, a
nos apoiarmos nos momentos de fragilidade, de sofrimento, de dor. Podemos
celebrar a vida a cada instante. Podemos dançar, cantar, brincar, podemos
contar piadas respeitosas, podemos contar histórias, fábulas, parábolas, podemos
rir e nos alegrarmos juntos, reavivando a nossa cultura e a dos nossos
ancestrais.
Mas não
podemos nos esquecer de que fazemos parte de macros e microssistemas
simultaneamente. Não vivemos sós. Estamos o tempo inteiro nos comunicando uns
com os outros. Interagimos com os outros assim como os outros interagem
conosco. E eu proponho uma interação mais harmoniosa entre os seres, uma
interação mais cuidadosa, para o meu bem e o bem dos meus sistemas, e o bem dos
outros sistemas, dos quais eu não faço parte, também.
Que tal
ouvirmos com respeito e atenção enquanto os outros falam? Que tal ao
silenciarmos para ouvir os outros aproveitarmos para também ouvir a nós mesmos
e aos nossos pensamentos? Que tal não julgarmos os outros? Que tal não darmos
conselhos, nem sermões aos outros e demonstrarmos assim que os respeitamos e acreditamos
que na capacidade deles de resolverem seus problemas?
Eu sou senhora da minha vida. Eu
sou doutora da minha experiência. Eu tenho autoridade – idade da autoria, como
costuma dizer uma amiga – para falar sobre minhas experiências, minhas dores,
meus sofrimentos, minhas alegrias, minhas conquistas, minhas estratégias de
superação dos meus problemas. Eu não preciso perder-me na terceira pessoa do
plural. Eu posso ser plural, mas eu também sou singular, eu sou a primeira
pessoa que fala, com autoridade, em meu nome, por mim. E assim como eu me
aproprio de mim mesma sugiro que vocês também o façam.
Eu quero agora lhes perguntar em
que mundo nós queremos viver? Que mundo queremos construir? Queremos um mundo
com mais paz? Queremos um mundo com mais respeito, mais cuidado, mais amor?
Queremos um mundo mais acolhedor? Que pessoas queremos ser? Queremos ser mais
conscientes dos nossos talentos e das nossas fragilidades? Queremos ser mais
conscientes da nossa história, do contexto em que vivemos, dos nossos sonhos?
Queremos ser mais conscientes dos nossos sentimentos e emoções? Queremos ser
mais conscientes das nossas dificuldades? Queremos melhorar nossas relações
intrapessoais e interpessoais? Queremos ser mais cuidadosos conosco e com os
outros?
Nunca é tarde para voltarmos o
olhar para nós mesmos, para nossos sistemas, para nossa forma de nos
comunicarmos. Nunca é tarde para nos situarmos no contexto em que vivemos,
pensarmos sobre nosso papel no mundo, na comunidade. Nunca é tarde para
acolhermos nossas crises e aprendermos com elas. Nunca é tarde para honrarmos
nossos ancestrais e respeitarmos a nossa cultura e a cultura dos outros. Nunca
é tarde para buscarmos apoio e pedirmos ajuda. Nunca é tarde para encontrarmos
em nós e nos que nos cercam a força para superarmos nossos obstáculos. Nunca é
tarde para sermos resilientes. Nunca é tarde para explorarmos nosso espaço de
experiência e vislumbramos novos horizontes de expectativas. Somos seres
inacabados, nunca é tarde.
Mirna Almeida da Silva
Historiadora, Terapeuta
Comunitária,
Doula e Contadora de Histórias.
Visitem meu blog: http://mergulhodeaurora.blogspot.com/
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